quarta-feira, 27 de abril de 2011

Eu, um cachorro, Nossa Senhora e algumas flores, em frente à primeira sede da TFP - Tradição, Familia e Propriedade.

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Eu sou Tuca Munhoz.

Recentemente foi lançado o livro “História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil”. Esse livro, em bela edição patrocinada pela Secretaria de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Governo Federal, faz uma retrospectiva dos últimos trinta anos desse movimento, do qual tive, e tenho a honra e a alegria de participar.

Para contar um pouco dessa história peço licença a você leitor para fazer um paralelo entre a história desse Movimento e a minha história pessoal, enquanto um homem comum e enquanto ativista pelos direitos das pessoas com deficiência.

Nos idos de meus 19 anos, há exatamente 34 anos atrás, tive meu primeiro emprego de verdade, com carteira assinada e todas essas coisas. Eu o considerava um emprego de verdade porque ficava longe de casa, tinha que pegar dois ônibus. Antes disso trabalhei pertinho de casa, numa banca de revistas e numa papelaria.

Essa minha história começa justamente nesses dois ônibus que eu tinha que tomar, para ir de São Caetano do Sul, onde morava, até a Av. Paulista, onde ficava a sede do Banco Real, meu empregador.

Passava todos os dias por uma situação que considerava constrangedora e desagradável. Naquela época, em razão de sequela de paralisia infantil adquirida aos 11 meses de idade, eu usava duas muletas axilares e aparelhos ortopédicos nas duas pernas. Não conseguia subir no ônibus sozinho e tinha que pedir ajuda a algum passageiro, ao motorista ou ao cobrador.

Angustiava-me muito a autoimagem que fazia de ser uma pessoa “errada”, nem ao menos conseguia subir em um ônibus, todos conseguiam fazê-lo, menos eu! Sofria com isso, e odiava minha deficiência, odiava, portanto, a mim mesmo, porque a deficiência fazia parte de mim.

Um dia ao voltar para casa, justamente aguardando o ônibus na Av. Paulista, alguém me entregou um folhetinho que convidava para uma reunião de pessoas com deficiência que aconteceria no Colégio Anchietano, na qual se pretendia discutir os nossos direitos.

Fiquei muito ansioso para participar dessa reunião! Que direitos poderíamos ter?

A única experiência que eu tinha até então com outras pessoas com deficiência, e isso desde a infância, era em hospitais ou em centros de reabilitação, onde tentavam me “consertar’ com inúmeras cirurgias, tratamentos e fisioterapia intermináveis.

Finalmente chegou o dia dessa reunião, que eu lembro ensolarado. Deviam estar presentes cerca de 20 pessoas, entre pessoas com deficiência, todas muito jovens, na faixa de 20 anos, por aí, mais alguns amigos e parentes. Eu fui com minha tia Tereza e com meu primo Paulo, que me deram carona no velho fusquinha branco, apelidado Getúlio.

Me assustava discutir a deficiência, pois estaríamos discutindo nossos corpos, pois é em nossos corpos que está a deficiência. Sim. Isso é verdade. Mas, eu estava enganado. O que sempre havia aprendido, e havia aceitado, é que não conseguia fazer uma série de coisas, como subir em um ônibus, porque havia um problema em meu corpo.

Passo imediatamente para o tempo presente, ano de 2011. Hoje, sobretudo em razão da idade, abandonei as muletas e o aparelho ortopédico e uso cadeira de rodas. Podemos considerar que minha deficiência se agravou. No entanto, hoje, eu posso subir em um ônibus! O que aconteceu? Eu mudei? Não, não mudei. Continuo sendo uma pessoa com deficiência. Com até mais limitações do que quando tinha 19 anos. O que mudou então?

Eu descobri, naquela reunião, em meus 19 anos, compartilhando experiências, sentimentos e aprendizados, que o problema em não acessar ônibus, e uma série de outras coisas, como andar pela cidade, trabalhar, estudar e muitos outros direitos negados às pessoas com deficiência, não era um problema que estava em nossos corpos, mas estava sim, no corpo social.

Aprendi isso. Caiu a minha ficha. E naquela época estavam caindo fichas de muitas outras pessoas com deficiência. Foi quando o nosso Movimento amadureceu e intensificou a luta. Luta que não terminou, mas que nos permite hoje celebrarmos muitas conquistas, e, sobretudo termos a clareza que as pessoas podem ser felizes, contribuir para a felicidade de outros, contribuir para um mundo melhor mesmo sendo diferentes, mesmo que seus corpos sejam frágeis e limitados. Não podemos, no entanto, aceitar que a sociedade nos limite.

Tenho modestamente, apoiado em minha família e rede de amigos, feito a minha parte. Contribui para a criação da Pastoral das Pessoas com Deficiência da Arquidiocese de São Paulo, na qual acredito muitíssimo e tenho certeza fará um grande papel na continuidade de nossa História.

Faço também, (com a participação de outras pessoas), um programa de rádio, o Minuto da Inclusão[1] no qual divulgamos informações, notícias e dicas para as pessoas com deficiência, e suas famílias, procurando fortalece-las na busca por seus direitos e na sua autoestima. Para que tenham a clareza de que a inclusão plena e a dignidade das pessoas com deficiência será resultado e fruto de uma sociedade justa e fraterna!

Tuca Munhoz

Pastoral das Pessoas com Deficiência da Arquidiocese de São Paulo

pastoralpessoascomdeficiencia@gmail.com


[1] O Minuto da Inclusão é veiculado por centenas de rádio por todo o Brasil. Se não passar na rádio que você costuma ouvir, acesse www.radioagencianacional.ebc.com.br