segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Causo corriqueiros


1.   Quem está precisando de ajuda?

Fui um dia desses, logo cedo, à agência dos correios da Rua Martin Francisco para postar para uma amiga do Rio de Janeiro o livro 30 Anos do Ano internacional das Pessoas Deficientes.
Resolvi ir por um caminho novo: o lado par da Rua das Palmeiras. Caminho que utilizo muito pouco, já que a acessibilidade desse lado da rua era muito ruim. Agora, com a instalação de guias rebaixadas em algumas esquinas a acessibilidade está apenas ruim, pois o estado de conservação das calçadas é lamentável.
Um dos piores trechos é o da entrada da garagem da Rádio CBN, onde, talvez pelo próprio abandono do local, vários moradores de rua tomam por quarto de dormir (e banheiro).
Ao passar por lá uma dessas pessoas, um homem jovem, em lamentável e triste condição, gemia e implorava por um prato de comida.
Passei alguns metros, como tantas vezes passo por tantos outros que me pedem. Não resisti, porém, às suas súplicas, voltei e coloquei em sua mão uma moeda de um Real. Ele olhou para mim, primeiro para meus olhos, depois para minha cadeira de rodas e perguntou: o senhor precisa de ajuda?
Moral da história (preconceituosa): todas as pessoas com deficiência precisam de ajuda.

2.   Todos são amigos.

Fiz amizade com o Manoel, um contumaz, fiel e ébrio frequentador do bar aqui em frente do meu prédio.
Quase todos os dias o vejo sentado sempre à mesma mesa na calçada. Às vezes estou lá com ele bebendo uma também.
Ontem, ao chegar de algum compromisso vi que ele estava lá. Subi, deixei a papelada sobre a mesa, dei meia dúzia de beijos na patroa e fui para minha cerveja em companhia do Manoel.
Chegando ao bar não o encontrei na mesa da calçada. Entrei e perguntei a um funcionário pelo meu amigo, dizendo que eu o tinha visto numa mesa do lado de fora, agorinha mesmo.
Disse-me o funcionário: “Ele está lá, está lá fora, sim.” Voltei para fora e vistoriei todas as mesas, enroscando minha cadeira de rodas em algumas. Não o encontrei.
Retornei ao funcionário que insistiu e decidiu me acompanhar. Fomos até a última mesa na ponta da calçada, onde estavam dois homens, ilustres desconhecidos, um deles em cadeira de rodas, para o qual o funcionário que me acompanhava apontou e disse: “Olha o seu amigo aí.”
Moral da história (preconceituosa): todas as pessoas com deficiência são amigas.

3.   Somos parecidos?

Fui à casa do meu amigo Sacha, que, como eu, também usa cadeira de rodas motorizada.
Ao ir embora, estava parado na esquina para atravessar, quando vi surgir um senhor oferecendo-se para parar o trânsito para que eu atravessasse. Eu lhe disse:
Não é necessário, pode deixar que atravesso sozinho, o farol vai fechar logo, aí então eu atravesso.
Ele não se convenceu, foi indo para o meio da rua com os braços levantados, enquanto gritava:
— Vem Seu Sacha, vem Seu Sacha...
Moral da história (preconceituosa): todas as pessoas com deficiência são iguais.

Considerações acerca da Campanha "Esta vaga não é sua nem por um minuto".

Está acontecendo, sobretudo na internet, uma Campanha muito legítima, necessária e válida, que tem por nome “Esta vaga não é sua nem por um minuto”.
Essa campanha, iniciada em Curitiba por Mirella Prosdócimo, que também utiliza cadeira de rodas,  tem por objetivo conscientizar e sensibilizar motoristas para que não utilizem irregularmente vagas de estacionamento demarcadas e reservadas para pessoas com deficiência, o que é, infelizmente, uma prática muito comum.
Já há algum tempo, por opção, não tenho dirigido, mas dirigi por muitos anos, e inúmeras vezes não encontrei vagas reservadas para estacionar, tanto em locais públicos como particulares, por terem sido ocupadas por automóveis dirigidos por pessoas sem deficiência. 
Sempre que encontrava o motorista infrator, protestava e informava da exclusividade da vaga de estacionamento para pessoas com deficiência. Deparei com todo tipo de respostas, desde desculpas sinceras até as mais esfarrapadas ou pior, mal educadas. Uma das desculpas mais comuns, ouvidas não só por mim, mas por muitíssimas outras pessoas com deficiência sempre foi: “É só por um minutinho, vou até ali e volto já”. Daí o nome da Campanha: Esta vaga não é sua nem por um minuto.
Espero, com esta matéria, contribuir para que as pessoas não deficientes respeitem as vagas de estacionamento das pessoas com deficiência, e também dos idosos, sempre claramente demarcadas.
Mas, como disse acima, há alguns anos deixei de dirigir, e por morar em uma região privilegiada de São Paulo em termos de transporte coletivo, o bairro de Santa Cecília, tenho utilizado ônibus e, sobretudo, Metrô. E graças à minha cadeira de rodas motorizada faço também grandes trajetos “a pé”.
E é aí que o bicho pega, pois tanto o transporte coletivo, e, principalmente, as calçadas de São Paulo, deixam muito a desejar.
Com a nova lei sobre a conservação dos passeios públicos, chamada Lei das Calçadas, espero que a situação melhore, pois mesmo no Centro da cidade a conservação é péssima, além da falta de padronização e regularidade. Em muitos locais a inclinação das calçadas para favorecer a entrada e saída de veículos em condomínios e estacionamentos inviabiliza a passagem de cadeiras de rodas. Creio que nem se faz necessário falar sobre degraus entre as calçadas de diferentes imóveis, o que é um absurdo e um grande desrespeito para todos os pedestres.
A falta de padronização é outro problema grave. Cada um faz, quando faz, a calçada como bem entende. E, coloca na calçada o que bem entende. É comum encontrar automóveis estacionados, quebradas devido ao plantio de árvores inadequadas, lixeiras enormes, lixo depositado fora do horário e/ou em proporções que impedem a passagem, bancas de jornal muito grandes, postes para várias finalidades colocados sem planejamento e em quantidade excessiva, mesas de bares e restaurantes, calçadas muito estreitas, etc.
Ainda que me coloque favoravelmente, de maneira irrestrita, à Campanha para o respeito às vagas de estacionamento para as pessoas com deficiência, considero que seria ainda mais importante, e democrática, uma campanha pelo direito a calçadas de boa qualidade para todas as pessoas. Afinal, como diz outra Campanha: Somos todos pedestres.